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domingo, 27 de agosto de 2023

O APRENDIZ DE FEITICEIRO - Adaptação de Nicéas Romeo Zanchett

 .


Autor original: Ludwig Bechstein


A mania de Simão

era ler quanto podia,

até o que não devia: 

contrariando seu patrão

leu o livro da magia.

Mas foi tanta confusão, 

que só quem gosta de ler

saberá a solução. 

.

          Era uma vez um rapaz muito inteligente que se chamava Simão. A coisa de que ele mais gostava e pela qual tinha verdadeira paixão era ler livro. Um dia Simão se deu conta de que já tinha lido todos os livros que encontrara no pequeno lugarejo onde morava. ficou  pensando como conseguir novos livros. Teve, então, a ideia de ir morar numa cidade e procurar emprego numa livraria. Despediu-se dos pais e partiu. 
            
            Chegando à cidade, pôs-se a andar pelas ruas até encontrar uma livraria. O proprietário era um senhor muito estranho que costumava andar com uma coruja no ombro. Mas para Simão a única coisa importante era poder trabalhar no meio dos livros; por isso indagou a homem: 
          - O senhor me aceitaria como empregado na sua loja?


         - Claro, meu caro rapaz. E, como vou lhe ensinar muitas coisas, chame-me de mestre.
         Iniciava-se ali sua grande aventura.

         No dia seguinte, quando Simão se apresentou para o trabalho, o dono da  livraria lhe disse:
         - Par começar , você precisa apenas manter a loja sempre em ordem e bem organizada: espanar os livros e os móveis, varrer o chão, enfim, fazer coisas coisas muito simples.

           - Sim, mestre, farei tudo direitinho... , mas posso ler alguns livros quando terminar o meu trabalho? 

            - Que pedido estranho para um rapaz! - admirou-se o mestre. - Está bem, concordo. Pode ler tudo oque quiser. Mas terá que me prometer que por nenhum motivo, nem por nada no mundo, você vai fiar mexendo em tudo...

            - Está bem, mestre, eu prometo.

            - Que é isso: Você nem nem me deixou acabar de falar. Você pode ler todos os livros, menos aquele livrinho vermelho que  na prateleira de cima. Prometa-me isso e seremos sempre amigos. 

             Simão fez sua promessa de muita boa fé. De fato, durante todo o tempo em que o mestre esteve na lojaa, Simão nem olhou para o livrinho vermelho. Quando o mestre saiu, para ir cuidar de outros negócios, Simão sentiu uma vontade muito grande de ler o livro proibido, nem que fosse só um pouquinho. E aquela vontade foi aumentando e tomando conta de seu pensamento. a tal ponto que ele não conseguia trabalhar direito.

            Cada vez que o Simão olhava o livrinho no alto da prateleira, pensava:
            - Acho que não há mal nenhum em dar uma espiadinha no que está escrito de tão misterioso no tal livro. 
            Mas sempre que pensava assim, a consciência do Simão ficava martelando em sua cabeça:
             - Simão! Simão! Eu sou sua consciência, não se esqueça de que prometeu ao mestre não mexer naquele livrinho vermelho.
            Mas curiosidade não ficou quieta: 
            - Eu sou a curiosidade e estou morrendo por saber o que esta escrito lá. Vamos Simão, coragem, dê só uma olhadinha rápida.

            Os dias passavam e o pobre Simão não sabia o que fazer entre a vontade de obedecer à consciência e manter sua palavra dada a mestre e a intensidade com que a curiosidade tomava conta dele. Era como se as duas estivessem aos gritos: 
           - Seja obediente, Sião, e cumpra sua promessa!
           - Não seja bobo, Simão! Pegue o livro, abra e leia!

          Simão não aguentou mais. A curiosidade venceu. Pegou o livro vermelho e quando viu do que se tratava pôs-se a cantar e pular: 
"O Manual do Mágico Perfeito"...
Por acaso está escrito em árabe, 
ou então pertenceu, pelo jeito, 
a antigo e rico marajá
Desses cuja língua ninguém sabe?
.
Poderei ser mágico, se ler 
estas fórmulas com atenção. 
Que sorte, agora tenho poder
de transformar-me até num dragão: 
um, dois... três, olhem só o que verão!

            Pulou e saltou de alegria até cais no chão. Que beleza! 
            O livrinho  continha a fórmula mágica para se transformar em animal, pessoa ou objeto. O patrão de Simão era um mago e o rapaz achava, agora, que podia se tornar muito poderoso.

            Logo de cara, Simão decidiu que queria ser um bicho que voasse. Assim voltaria para a casa do pai bem de pressa, sem esquecer de levar no bico o livrinho mágico. Escolheu ser uma andorinha, que era um bicho que voava rápido. 

             Num instante Simão sentiu os braços se transformarem em asas. Virou uma andorinha que, sem largar o livrinho do bico, voou da beirada da janela em direção `casa do pai. Imaginem só o espanto do pai quando viu uma andorinha entrar pela porta e pousar em cima do banco e ali diante de seus olhos transformar-se em seu filho Simão.

             - Oi papai! está contente em me ver? 
             -  Não estou entendendo nada, nem sei como você está aqui.  
             - Alegre-se papai, acabaram-se os dias tristes, voltei para torná-lo rico e feliz. 

             - Acho tudo isso muito bom. Mas me dê um pouco de tempo para pôr as ideias em ordem. Por falar nisso, como vamos ficar ricos? 
   
         Simão desceu do banco, abraçou o pai com muito carinho e indagou:
            - O senhor gostaria de ser dono de um boi bonito e gordo para vender no mercado amanhã? 

         - Claro que gostaria, mas ninguém vai me dar um boi assim de presente.

         - Pois aí é que está o segredo - explicou Simão. - Amanhã eu farei uma mágica e me transformo num boi gordo. O senhor me leva ao mercado e me vende. O boi terá um lacinho vermelho amarrado na pata. Depois que o senhor tiver feito o negócio, tire o lacinho da pata do boi e volte para casa. Mas preste muita atenção, papai, não vá esquecer o lacinho. 

             Ora, Simão, que é isso? - respondeu o pai, - Se você é capaz de se transformar num boi gordo, eu também posso não esquecer o lacinho. 


          No dia seguinte o pai foi ao mercado levando consigo um belíssimo boi gordo. Logo apareceram vários compradores que, admirados com aquele magnífico animal,  examinaram-no com muita atenção e concluíram que era mesmo um animal muito saudável e estava em perfeitas condições. 


         Logo um deles perguntou: 
         - Por quanto você vende este boi? 

          - Por um saquinho de moedas de ouro, mas no preço  não está incluído o lacinho vermelho que está amarrado na pata. É que eu tenho muito amor por este lencinho que me traz boas lembranças. 

          E assim o negócio foi logo fechado.

           Meia hora depois, o pai estava de volta à casa muito feliz e satisfeito. contando as moedas de ouro que conseguiu.

             Mas o pobre coitado que tinha comprado o boi e pago tão bom preço por ele coçava a cabeça e não entendia  como o boi podia ter desaparecido. Procurou o  animal por toda a parte e nem sinal do boi. Era como se o bicho tivesse desaparecido no ar. 

             Enquanto isso Simão corria para casa. Estaria muito contente se não fosse a consciência que gritava no seu ouvido: 
              - O que você fez não é nada honesto; sabe muito bem como se chama? Roubo, furto, trapaça. 

             - Deixe de conversa, consciência, o que está feito está feito. 

           Preste bem atenção Simão, coisas assim se pagam mais cedo ou mais tarde. 

           Mas Simão, chegando em casa, foi logo gritando para o pai: 

                     - Que tal, papai, levarmos um belíssimo cavalo sangue puro para vender no mercado? 
          
              No dia seguinte o pai voltou ao mercado levando consigo um lindo cavalo branco e pôs-se a anunciar: 
              - Quem quer comprar um cavalo? Vejam que animal maravilhoso!

              Os compradores comentavam: 
              - Que bonito animal! forte e robusto!
              - Deve ser muito bem alimentado!

             De repente o cavalo começou a manifestar-se inquieto, embora o pai tentasse segurá-lo.



             Isso estava acontecendo porque Simão tinha visto seu patrão aproximar-se. Fiou ali parado e, quanto mais aquele belo animal, mais ele ficava assustado. Simão, sem saber o que fazer, pensava: 
             Nossa! é o mestre que chegou! Ele me reconheceu!

              O mago aproximou-se do pai de Simão e disse: 
             - Estou muito interessado neste cavalo. 



             O pai de Simão logo tentou realizar o negócio: 
            - É um magnífico animal, se comprar vai ficar muito satisfeito. 

            Simão, o cavalo, saltava para todos os lados, o que levou seu pai a justificar: 
            - Hoje ele está um pouco nervoso, mas costumeiramente ele é muito dócil; deve  ser o movimento do mercado. 

               O mago, que estava interessado em Simão e não propriamente no cavalo, indagou: 
              - Quanto quer por ele? 

              - Um saquinho de moedas de ouro. 

              - Fico com ele - disse o mago. 

              -Deixe-me tirar este lacinho vermelho da pata que não está incluído no preço.

            - Pode deixar o lacinho na pata que lhe dou dois saquinhos de moedas, mas deixe o lacinho na pata. 
             Sem poder contestar, o pai de Simão concordou.
             - Está bem, negócio fechado. 

             O pai de Simão tinha concordado porque acho que seu filho, que era muito inteligente, saberia como dar um jeito de voltar à forma humana. Mas estava enganado. Enquanto o cavalo tivesse o lacinho vermelho amarrado na pata, o rapaz não poderia transformar-se. Sabendo disso, Simão tentou fugir de qualquer jeito, mas o mago mandou dois homens forte segurá-lo e ele foi levado à força para o estábulo. 

Banquei foi um desmiolado
 ao fazer tantas bobagens, 
querendo tirar vantagens 
acabei sendo enganado.
.
Era um cavalo virado, 
relincho e não sou capaz de,
outra vez transformado, 
voltar a ser um rapaz.
.
E se o mago me faz
 virar monstro, por magia? 
Não sei como se desfaz
o que fiz por fantasia. .
.
         Simão estava arrependido de ter tentado enganar os outros e pensava:
          - Se eu conseguir escapar daqui, nunca mais farei magia.
           Foi então que um menino entrou no estábulo para vir espiar o cavalo. Simão mostrou-se muito manso e  garoto, perdendo o medo, fez um agrado no pescoço do cavalo. Era a ocasião para se redimir. Simão, batendo com a pata no chão, chamou a atenção para o lacinho vermelho. O garoto entendeu: 
           - Parece que o cavalo quer que eu tire esta fita da pata dele; de estar incomodando-o. 
            Após tirar a fita ficou espantado, pois o cavalo desapareceu e em seu lugar o menino só viu uma andorinha. O pássaro voou e foi embora.


            Quando o mago voltou e soube o que havia acontecido, puxou a barba furioso. Depois se transformou num gavião e saiu voando em perseguição da andorinha. Ao ver o gavião, Simão se deu conta de que aquele gavião, que o perseguia, só podia ser o mago, mesmo porque o gavião estava de óculos. A andorinha fugiu rapidamente, mas o gavião voava mais rápido e estava cada vez mais perto.  Tudo parecia perdido. Nesse instante Simão percebeu que estava voando sobre o jardim do palácio real, onde a princesa estava colhendo flores. 


Teve uma ideia. Pronunciou as palavras magicas, para se transformar, que tinha aprendido no livrinho secreto:
             - Nil, nol, nul, nal, nel, anel. No mesmo instante se transformou num anel. 
            O anel caiu exatamente no colo da princesa, que imediatamente pegou-o admirada. Depois de examina o anel anelzinho, colocou-o no dedo. 


            O mago que vira tudo pensou: 
            - O rapaz é inteligente e arranjou um bom meio de escapar, mas isto não vai ficar assim.
            Em seguida pronunciou as palavras mágicas para transformar-se: 
            - Jivem, jevem, juvem, javem jovem. 
            Após falar, o mago se transformou num jovem senhor.  Mas antes disso estava no ar, feito gavião, e os jovens não têm asas e, por isso, despencou lá das alturas. Entretanto, com sua magia, conseguiu controlar a queda e desceu sobre a grava com suavidade. Foi assim que surgiu, vindo do céu, diante da princesa, que ficou olhando-o no maior espanto. 


                Antes que a princesa pudesse dizer qualquer coisa, o mago, com muita cortesia, resolveu dar uma explicação: 
            - Linda jovem, estou aqui para pedir-lhe o favor de devolver-me um anel que perdi quando me diverti jogando-o ao ar.

              Embora a desculpa fosse fraca, a moça estava muito  surpreendida com aquele homem que descera do céu. Por isso ia entregar o anel sem mais explicações. 
            Antes que a princesa desse o anel ao mago, Simão resolveu transformar-se para poder escapar e disse: 
          -Trão, frão, brão zrão, grão. 
          Imediatamente o anel no dedo  da princesa tornou-se um grão, que o vento carregou para entre duas pedras. 
          O mago viu tudo e não perdeu tempo. Pronunciando a fórmula mágica, - Elo, ilo, olo, ulo, galo. Transformou-se logo num galo. 

              Em seguida o mago tratou de encontrar o grão, que estava nomeio das pedras, com o bico; queria comê-lo o mais rápido possível. Mas antes que o encontrasse, Simão exclamou suas palavras mágicas: - Ebo, abo, ibo, ubo, obo, lobo. E o grão virou um enorme lobo.

         Sem dar tempo ao mago para se transformar  em qualquer outra coisa, o lobo liquidou o galo. 
            Então Simão gritou: 
           - Ao, uo, oo, io eo Eu. 
           E assim recuperou sua forma  humana. Era outra vez um rapaz. 

           Mas Simão aproveitou-se da magia para aparecer com rico trajes. Ajoelhou-se diante da princesa dizendo: 
            - Agradeço de todo o coração por ter-me salvo. pondo o anel em meu dedo. 
           Naquele mesmo instante em que se viram, os dois jovens se enamoraram. Simão pediu a princesa e casamento e a moça concordou. 
             Em seguida os dois noivo queimaram o livrinho mágico, pois não queriam mais saber de encantamento. Casaram-se e viveram felizes pelo resto de suas vidas.


Simão, agora casado.
não quer saber de magoa,
queimou o livro encantado. 
Continua sempre lendo
estórias de fantasia
ou livros educativos
pois tem muitos motivos 
para temer a bruxaria. 



Nicéas Romeo Zanchett 
           

        




            

terça-feira, 22 de agosto de 2023

O PATINHO FEIO de H. C. Andersen

 .

Adaptação de Nicéas Romeo Zanchett 


Era uma vez muito
 feio para ser pato.
não sabia o coitadinho
que bicho era de fato. 
Para com certeza saber 
se era uma pato sem graça 
ou ave de uma outra raça, 
foi o mundo percorrer.

.
          À beira de um lago, numa grande fazenda, Dona Pata chocava sua ninhada, e pensava: 
       - Se contei certo os dias, amanhã todos deverão estar fora da casca. 

          De fato, dona Pata não errara a conta: no dia seguinte, todos os patinhos já tinham saído do ovo.  Isto é, todos não. Faltava um. 

          Dona Pata não estava entendendo e pensava: 
          - Por que este ainda não nasceu? - perguntava ela. - Já era tempo!

          Daí a pouco ela uma voz fraquinha chamando: 
         - Ajude-me! Estou preso aqui dentro! Solte-me!

           Dona Pata, então, deu uma bicada no ovo, começando a quebrar a casca. Logo o ovo estava
 todo aberto, e... ela teve uma enorme surpresa!
o patinho que saiu daquela casca  não tinha nada de parecido com os outros seis. Era tão feio que a pobre Dona Pata não se conteve e exclamou: 
         - Será que é mesmo um filhote de pato? Mais parece um peruzinho! Com essas penas cinzentas... e assim tão grande!

          A coitada estava mesmo na dúvida. Então resolveu tirar a prova: 
         - Vamos todos nadar no lago. Quero ver se este desengonçado sabe nadar. Se não, terei certeza de que é mesmo um filho de peru. 

         Ao contrário do que Dona Pata esperava, o patinho feio sabia nadar melhor que todos os outros da sua ninhada. 

            - Bem, acho que você não é um peru. Melhor assim - suspirou aliviada. 

      Quando saiu da água com seus patinho, Dona Pata levou-os para conhecerem os outros animais da fazenda. E recomendou:
       - Meus filhinhos, mostrem-se sorridentes, educados e gentis.   Não se esqueçam de cumprimentar aquela velha pata lá adiante. Ela é a senhora mais importante e querida de toda a fazenda, porque tem uma argola vermelha   num dos pés. Agora, todos em fila, vamos! 

         E lá se foi Dona Pata com seus patinhos, marchando como escoteiros. 



Muito sérios e respeitosos, 
vão altivos os patinhos.
Mamãe à frente - garbosos. 
Marcham como soldadinhos. 
.
Pé pra fora, bico erguido, 
lá vão eles a marchar. 
Quem erra o passo é repreendido. 
com mamãe a se zangar.
.
Atenção: alto! Marchar!
Quem grita não é o capitão, 
Mas a mamãe a comandar
o valete pelotão.

           Caminhando sempre em fila, os patinhos passaram diante da velha pata...
           - Que belos patinhos! - exclamou ela ao vê-los. - Mas que é aquilo? 
            
            Dona pata apressou-se a explicar: 
            - Foi o último que nasceu, Excelência...
            - É feio, não? Mas parece muito forte... Conforme-se minha cara. 

           Mais adiante, um outro pato deu uma bicada no patinho feio. O pobrezinho correu a esconder-se sob as asas da mãe. Tinha levado um susto enorme! Ainda por cima, todos os outros animais da fazenda começaram a rir. E continuaram caçoando dele o tempo todo. O patinho feio não tinha sossego: bicado de um lado, enxotado de outro, era maltratado por todos. 



              Ninguém gostava dele. O pobrezinho era diferente e tão desajeitado, que até as galinha não podiam vê-lo sem cacarejar : 
        - Có -có -có! Saia daqui seu feioso! 

           Dona Pata suspirava triste. Não sabia mais o que fazer. Nem se atrevia defendê-lo contra os ataques de todos. Mas, apesar de tudo, o patinho feio crescia, cada dia mais forte e  robusto. Foi ganhando corpo e autoconfiança, suas asas cresceram e empenaram... 

           Depois de algumas semanas, ele já não aguentou mais aqueles maus tratos. Resolveu abandonar sua casa. Saltou a cerca e foi voando até o grande lago, onde viviam patos selvagens, que eram muito elegantes e não se misturavam com os da fazenda. 




               Os patos selvagens, assim que o viram, comentaram: - Olhem, este é um enjeitado! Que será que veio fazer aqui?
          Para exibir-se ao recém-chegado, uma pata vaidosa pôs-se a voar. Mas, tão logo levantou voo, viu os caçadores ali por perto e deu o alarma. Todos os patos selvagens fugiram mais que de pressa.


 O patinho feio, tremendo de medo, correu a esconder-se  debaixo do capim e cobriu a cabeça com as asas. Um cachorrão caçador aproximou-se dele, mas, vendo que era muito pequeno e feio, deixou-o e foi perseguir os elegantes patos selvagens. 


           Assim que os caçadores foram embora, o patinho saiu de seu esconderijo. Andou bastante e chegou a uma cabana velha e pobre, com a porta desconjuntada e o telhado quase caindo aos pedaços. Lá moravam uma velhinha, uma galinha e um gato. 

            - Oh, uma visita! Entre! - disse a velhinha . - Você sabe por ovos? Minha galinha só bota ovos duros como pedra...


           - Có, có, có, Como? - protestou a galinha. - Meus ovos são  de ouro maciço!

            Todas as manhãs a velhinha tentava cozinhar os ovos de ouro e é claro que não conseguia. Por isso jogava-os fora. A galinha se desesperava, mas nada podia fazer: ela queria ovos de verdade, que servissem para comer. O único que não se queixava , naquela cabana, era o gato.

            - Só sei miar, e, quando me acariciam o pelo, eu ronrono. Você sabe ronronar? - perguntou o gato ao patinho feio. 

           - Você sabe botar ovos de verdade? - tornou a perguntar a velhinha.
            - Você é capaz de botar ovos de ouro? - cacarejou a galinha. 

           O pobre patinho feio sentiu-se tonto: não sabia miar como o gato, nem botar ovos de verdade, quanto mais de ouro! Mas, assim mesmo, ficou morando ali. Passaram-se duas semanas e o patinho começou a sentir saudade do lago onde nascera. Queria muito nadar... Disse isso à galinha, mas ela pareceu não entender. 

            - E para onde você pretende ir? Aqui nada lhe falta. Você foi bem recebido. que mais quer?

            - É que eu preciso de água para nadar!
            
            - Você sempre tem o que reclamar, hein? - ralho a velhinha. - Eu é que poderia me queixar... Você não sabe miar, não sabe ronronar, não sabe botar ovos, e ainda reclama? Se não está satisfeito, por que não vai embora? 

            - É... pelo jeito, acho que vou mesmo... - balbuciou o patinho.

            - Já vai tarde! - cacarejou a galinha, malcriada. 

            Todos esses acontecimentos faziam com que o patinho se sentisse cada vez mais triste e deprimido. 


              O patinho feio pôs-se a caminho. Andou, andou... até que chegou o outono. O esquilo, a coruja, todos os animais já se preparavam para o inverno, pois viviam num país onde caía neve. 

            Uma tarde, quando o sol já ia se escondendo atrás da montanha, o patinho feio viu um bando de belíssimos pássaros, grandes e de longo pescoço flexível, levantarem voo de uma moita. Eram cisnes selvagens que deixavam as regiões frias em busca de lugares mais quentes. O patinho feio não sabia o nome daquelas lindas aves, mas ficou a admirá-las, encantado. Nunca vira pássaros tão belos e elegantes. Fazia cada vez mais frio, e o patinho volta e meia parava para aquecer-se.


Nada depressa, patinho, 
que o inverno está gelado. 
Se não te aquecer nadando, 
vai ficar congelado. 
.
Não pare pra descansar,
o inverno é teu inimigo. 
Talvez pra frente nadando 
encontres um bom abrigo. 
.
Não desanimes, patinho,
nadando com destemor, 
pois desta prova tão dura
tu vais ser o vencedor. 

               O inverno era intenso. O patinho feio continuava a nadar, mas ficava cada vez mais cansado. A cada dia, nadar se tornava mais difícil, pois a água começava a gelar. E foi gelando, gelando... até que o patinho ficou preso no meio do gelo, sem poder sair. Ia morrer gelado!


            Mas passou por ali um camponês, viu-o e libertou-o, quebrando o gelo com o salto da bota. Com pena do patinho, levou-o para casa. 

            Aquecido ao pé da lareira, o patino abriu os olhos e viu duas meninas, filhas do camponês.
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             As meninas ainda eram pequenas e não sabiam como cuidar do patinho, que a esta altura já estava bem crescido e sabia muito bem o que queria. As duas tentaram obrigá-lo a tomar leite, a voar dentro de casa, a subir num bastão. O patinho tratou de fugir.  Preferiu sentir frio a ser maltratado. Tratou de voar para longe, e foi se abrigar numa moita. 


              Que crianças desajeitadas! - pensava ele. - Será que não encontro ninguém que me ajude? Que vida a minha... Só porque sou feio, me tratam mal... Se aquelas crianças ao menos tivessem um pouco de delicadeza... Mas paciência. Passarei o inverno ao relento...
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             O patinho feio acabou consolando-se. Aninhou-se na moita e dormiu. Foi muito frio, gelado mesmo, mas o patinho aguentou firme. 

               Finamente o inferno passou e chegou a primavera. O patinho feio sentiu que suas asas estavam mais fortes e o sustentavam muito bem no ar.


              Um dia voou para mais longe e encontrou um magnífico jardim, com um pequeno ago entre as flores.  Nadando no lago havia lindas aves brancas. Eram grandes e majestosas, com longos pescoços flexíveis. o patinho aproximou-se daqueles belos animais, pensando: 
               - Talvez me recebam mal e me biquem. Mas estou tão sozinho... De qualquer forma, sendo um patinho feio, já estou acostumado a ser maltratado. E certamente não será pior que as caçoadas da velha pata, as bicadas dos patos e a troça de gatos e galinhas. 

             Mas... uma coisa muito estranha aconteceu: quando o patinho feio pousou graciosamente sobre as águas, os  outros o olharam com admiração. 

           - Quem será este belo jovem? - perguntaram curiosos os cisnes uns aos outros. - Deve ser um nobre, vejam que distinção! 

             O patinho aproximou-se dos cisnes. Todos o rodearam, admirando sua beleza. Sá então ele se olhou no espelho da águas...

              Que surpresa! Não era mais um patinho feio, mas um lindo cisne de penas alvas como a neve, e um longo pescoço flexível...
              Oh! Que felicidade! Não precisaria mais fugir nem esconder-se. Agora podia nadar tranquilo no meio dos outros cisnes...  Olhou-se novamente nas águas, depois para os companheiros. não era sem motivo que o admiravam; era o mais belo de todos. 

                 Mas o ex patinho feio não se envaideceu. Só ficou contente, muito feliz mesmo, porque de agora em diante ia viver entre irmãos e amigos que o tratavam bem. Finalmente encontrara sua verdadeira família. 

Finalmente descobriu 
que não era mesmo um pato, 
mas um lindo cisne branco.
E que beleza de fato
Tem que ser reconhecida:
se fora um patinho feioso,
agora era um cisne formoso. 

 Nicéas Romeo Zanchett 

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

O NATAL DA SENHORA GANSA - Adaptado de Miriam Clark

 ..


        Certa manhã de dezembro Dona Gansa encontrou uma carta na porta da casa. Estava escrita em um pedaço de casca de árvore,  amarrada com uma fita verde feita de pedaços de grama. Dona Gansa ficou tão emocionada que não parava de bater e tremer as asas. Sentada na cadeirinha de balanço, colocou os óculos e abriu o envelope. 

          A carta estava escrita com letras verde, esquisitas e incertas. Dizia: 

        - "Querida Dona  Gansa. Venha passar o natal comigo e conhecer minha casa nos pântanos. às cinco horas da manhã, voarei até aí para apanhá-la, na véspera de Natal. Esteja pronta para levantar voo comigo. > Sua prima voadora. Gansa selvagem dos pântanos"

        - Santo Deus! Só vejo a palavra "voar" nesta carta, disse Dona Gansa, pestanejando. 

        Depois, levantando-se da cadeirinha de balanço, disse para si mesma: 

        - Acho que nem sei mais voar. Há muitos anos  estou domesticada; por isso, acho que já me esqueci. 

        Pensou durante algum tempo e, depois, batendo as asas, disse: 

        - Voar era o que eu mais gostava. Não, não é possível que tenha esquecido. 



        Naquela tarde, às quatro horas, três patos amigos viriam lanchar com Dona gansa. Até a chegada deles, Dona Gansa estaria ocupada embrulhando os presentes que ia lhes oferecer. Preparou três gravatas para os três amigos gansos, um bonito pente para a Senhora Esquilo pentear seu lindo rabo, e também doces e passas para o amigo porco, além de muitos outros presente para os Senhores Coelhos e outros amigos que também combinaram de vir. Em todos os presentes escreveu: " Só deve ser aberto no dia de Natal". 



          - Meus amigos virão buscá-los no dia da grande festa da Árvore de Natal que se realizará na cidade dos animais, disse Dona Gansa, mas não estarei presente!

         Realmente Dona Gansa já havia resolvido aceitar o convite da prima para passar o Natal nos pântanos. 



         Era quatro horas da tarde, quando Dona Gansa ouviu uns grasnidos na porta da casa. Os três patos , seus amigos, haviam chegado. Dona Gansa os convidou a entrar. 

          - Está esfriando muito e o vento sopra forte, lhe disseram eles, ao se encaminharem para junto do fogão. Achamos que pode chover, enquanto aqueciam suas asas. 

            - Espero que não chova na véspera de Natal. Precisamente às cinco horas irei partir com uma amiga para os pântanos. 

           - Partir! grasnaram os Três Patos, encarando-a. 

           - Sim, partirei; passarei o natal com minha prima, Dona Gansa Selvagem que vive nos pântanos.  Em seguida ela lhes mostrou o convite. 

           - Ho, Dona! . A senhora não vai participar da nossa festa de Natal? disseram os três Patos, mostrando-se inconformados. 

            - Não, lamento muito, mas não posso. 

            - Vamos sentir muito a sua falta. 

            - Também terei saudades de todos, disse Dona Gansa, apanhando o bule de chá. 

            - A Senhora não gostará do modo de vida de sua prima. Provavelmente ela não tem uma casa confortável como esta; dorme nos pântanos, junto do rio. 

           -É verdade; ela, porém, é minha prima. Nossas mães eram irmãs. Por isso resolvi ir. Será uma Natal diferente. 

           Os Três Patos tomaram o chá e conversaram mais algum tempo sobre a viagem da amiga, mas, apesar disso, não conseguiram alterar os planos de Dona Gansa. Ela estava determinada a seguir seu plano e partir na v´éspera de Natal. 

         No dia da partida, Dona Gansa esteve muito ocupada. Amarrou em cada presente um apetitoso cacho de usa. Colocou na maleta que ia levar para a viagem, uma camisola cinza, uma touca branca e uma escova de penas. Varreu a casa e botou tudo em ordem. Depois, calçou os sapatos vermelhos, vestiu o vestido azul, perfumado com alfazema, colocou o xale vermelho e brilhante e,por último, um chapéu enfeitado com ramos de salsa. 

            Olhou-se ao espelho e disse:

         - Estou muito bem vestida. Espero que minha prima fique satisfeita comigo. 

          Pã, pã, pã... Eram os Três patos que bateram à porta. Vinham despedir-se  de Dona Gansa. Rac, rac, rac... Era a Senhora esquilo que chegava; depois apareceram o Sr. Porco, o Sr. Peru e os Srs. Coelhos. Todos estavam emocionados, como se esperassem ver subir um balão ou coisa parecida. 



          - Cara amiga, A senhora ainda sabe voar? Perguntou a Senhora esquilo. 

          - Acho que sim, respondeu Dona Gansa. 

         Em seguida foram todos para o quintal, esperar a chegada de Dona Gansa Selvagem, a prima.  O vento soprava forte, carregando as nuvens cinzentas de uma lado para outro. 



          - Gostaria que minha prima não se demorasse, disse Dona Gansa, apertando o xale em volta do pescoço. Estou sentindo muito frio. 

          - Gostaria que a senhora desistisse dessa viagem, suspirou o Sr. Esquilo. Nem quero pensar em vê-la voando com este tempo. Não vá!

            - Vou sim, disse Dona Gansa, corajosamente. 

             - Não acredito que a tal prima venha, cochicharam os Três Patos. Já passaram cinco das cinco horas. 

             Naquele momento ouviu-se um grasnido distante. Logo depois eles avistaram uma gansa selvagem que se aproximava, rapidamente. Voava em direção à chaminé da casa de Dona Gansa.



             - Lá está ela! Adeus amigos, disse Dona Gansa, batendo as asas e muito feliz.  

             Entretanto, embora tentasse, não saiu do lugar que estava. 

             - Tente outra vez, aconselharam os Três Patos. 

              Novamente Dona Gansa bateu as asas, bateu as asas, mas não conseguiu voar.  Já fazia muito tempo que não se aventurava a esse esforço. 

            - Tire a roupa, falou uma voz selvagem, lá do alto. Jogue fora a maleta. Você está muito pesada!

               Logo se ouviu um barulho parecido com uma gargalhada, uma gargalhada estridente e fria, misturada com o vento. 

               Dona Gansa obedeceu. Tirou o bonito vestido, o xale, o chapéu e jogou a maleta no chão. Bateu as asas e subiu, fazendo grande barulho. 

             Lá do alto, atirou os sapatos vermelhos. Um deles, ao cair, bateu no nariz do Sr. Porco que espirrou e disse: 

             - Adeus Dona Gansa. 

             - Adeus, disseram todos. 

             - Adeus, respondia Dona Gansa, à medida que subia voando feliz. 

             - Lá está Dona Gansa , a caminho do seu sonhado Natal, disseram os Três Patos. Esperamos que ela se divirta muito, acrescentaram eles. 

               Logo, porém, sentiram um nó na garganta. Já começavam a sentir saudades. 

               - É melhor levarmos sua roupa para dentro e depois vamos fechar bem sua casa, como nos pediu, e vamos colocar as chaves embaixo do tapete, disseram eles. E continuando: - Vejam! Ela está voando lindamente sobre as copas dos pinheiro. Amanhã haverá muitos presentes para ela na árvore de Natal. Infelizmente não estará aqui para recebê-los. Avisou-nos que os veria quando voltasse. 

              - Talvez não volte nunca mais, suspirou O Sr. esquilo.  Talvez não a vejamos novamente.

               - Todos, então, começaram a chorar, sentindo-se tristes justamente na véspera de Natal.  

               Às sete horas, quando os Três Patos voltavam de uma visita ao Sr. Esquilo, viram uma luz saindo da janela da casa de Dona Gansa. 

              - O que está acontecendo? Quem teria entrado na casa de Dona Gansa? Todos sabem que ela está fora. Devemos ir até lá, disseram os Três Patos. 

               Entraram no jardim e espiaram pela janela. Lá estava Dona Gansa vestida, de touca branca, aquecendo as asas no fogão. 

                Pã, pã, pã... bateram à porta os Três Patos, sofregamente. Estavam tão contentes e emocionados. 

                 - Fõ, fõ, fõ, sorria Dona Gansa quando lhes abriu a porta. - É verdade, voltei, - cochichou ela. Minhas asas estão cansadas. Por favor  falem baixo! Minha prima selvagem está aqui. Está na minha cama dormindo. Veio passar o Natal comigo. 

                - Pensávamos que a senhora fosse passar o Natal na casa dela...

                - Só passei duas horas lá, disse Dona Gansa. Foi o bastante. Vocês tinham razão. A casa dela é muito fria. Além disso,  frequentemente neva e chove granizo. Pedaços de gelo caem do céu. Hoje o vento estava com tanta força que minhas penas não pararam um só instante. A mais bonita pena do meu rabo foi arrancada por uma rajada de vento! Minha prima tinha algumas amoras verdes, enterradas por perto. Nós as comemos, logo que chegamos. 

                - " Estas amoras que trouxemos são para nossa consoada (lanche, refeição leve), disse minha prima. Vamos comê-las tão logo ela acorde, e depois levantaremos voo e assim passaremos nosso Natal. 

                  Nesse momento a prima apareceu na sala e disse: 

                 - "Você voa muito mal, minha prima domesticada, precisa sempre  praticar o voo. Logo voaremos sobre as nuvens daqueles morros que estão cobertos de neve."


           


Continuo em breve. 

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

A FESTA DOS RATINHOS - Nicéas Romeo Zanchett

          Era uma noite muito quente, no fim do verão, em Floripa, a rainha das fadas, não podia conciliar o sono. Estava mais pálida que de costume e a cada instante chamava sua empregada de serviço de nome Esmeralda. 

           - Senhora, disse-lhe por fim, Esperança, porque não sai a passear pelos campos a cavalo? O amarelo disco da lua espelha sua luz doce e brilhante pela relva, espalhando sua doce e brilhante claridade como do próprio sol do amanhecer. A atmosfera está suave e propícia; o céu, límpido; e uma briza suave e fresca faz agitar as folhas das árvores.  

           - Está bem; mas onde iríamos nós - perguntou impaciente a soberana. 

           - Vamos à floresta dos pinheiros, respondeu Esmeralda. - É um sítio delicioso; e, precisamente hoje, celebra-se lá a grande festa dos ratinhos para a qual há muito estamos convidados.

            - Pois sendo assim, vamos lá. 

           Logo em seguida ouviu-se um levíssimo rumor de asas e em breves momentos Armilinda e outras damas cruzaram invisíveis os espaço e apareceram sentadas em redor de um tronco grosso de pinheiro, recentemente serrado. Mas as fadas se tinham sentado, surgiu sobre a rústica plataforma que formava a pontiaguda superfície, um gnomo, munido de um instrumento musical, misto de violino e bandolim. O gnomo fez uma reverência, brandiu o arco três vezes, marcando um compasso, e preludiou uma sinfonia original, conjunto de rumores e pisadas furtiva sobre a erva, de estalar de madeira queimando, de ruídos de esgravatar e de espirros de ratinhos. 

    - Mas que música tão esquisita que devia ser essa! - exclamou Armilinda. 

       - Todos os ruídos tem a sua música , quando se sabe ouvir, diz o livro que nos deu papai no dia dos nossos aniversários.

       - O gnomo, com uma voz cortante  e indefinível, pôs-se a cantar:  

Saiam já das suas tocas

Alegres ratos dos prados

E, ao som da música, aos brados 

celebrem em danças loucas

Os prazeres saborosos 

Dos queijos, belos, formosos!

                  Obedecendo a ação misteriosa do canto, começaram a chagar daqui e dacolá, vestidos com trajes azuis, amarelos ou escarlates, numerosos ratinhos, que em breve formaram grande cadeia. De mão dadas e dançando ao compasso da música o gruo dos bailarinos começo a descrever um circulo, passando por diante das fadas e da da rainha, que os contemplavam encantadas e boquiabertas. Pouco depois, a um sinal do que ia em primeiro lugar  na fila, entoaram em coro a canção da festa: 

Em muito rudes labores 

Se passou este verão

Mas os celeiros estão cheios

De rico grão.

Bailem ratinhos 

Dos pés nos biquinhos. 

Não tenham medo do inverno

Pois bem seguros já estão

As provisões já nos fiam 

Muito à mão.

Bilem ratinhos 

Dos pés nos biquinhos.

             - Sim, - interrompeu Armilinda; mas não contam com os gatos e as ratoeiras, que não os deixarão fazer das suas. Isso acontece com muita pessoas, que só vêem o lado bom das coisas, sem contarem com os inconvenientes... Me interrompeste pela segunda vez. Toma cuidado poque, conforme cominamos, na terceira vez calo-me e ficarás sem saber o final da história. 

        - Com ia dizendo, os ratos cantavam e a cada novos versos, a dança ia se animando mais, e as voltas sucediam-se com redobrado ardor. Quando depois de longo tempo cessou o canto e o baile os gnomos serviram um banquete em que abundaram confeitos  de todas as espécies, tais como frutas e sementes, guloseimas a, fiambres e embriagadoras bebidas do cálice das flores. A princípio só se ouvia o ruído de quebras e triturar os confeitos que eram devorados com avidez pelos bailarinos fatigados e esfomeados; mas, ao passo que o apetite destes se foi saciando, e sobretudo quando as frequentes libações desembaraçaram o caminho para a expansão comunicativa, entabularam-se mil conversas sobre diferentes assuntos. Em breve se formaram numerosos círculos, agrupando-se aos concorrentes segundo as suas idades, afeições e maneiras de sentir. De um lado tratava-se de processos mais eficazes e rápidos para a abertura  de galerias subterrâneas, perfuração de paredes, escalada de prateleiras e de obstáculos e ratoeiras; do outro lado, um gruo de damas da aristocracia rateira, expunha e discutia opiniões sobre o valor alimentício de presuntos e conservas; mais além a gente moça falava de modas ou entoava as canções do dia; por toda a parte reinavam a maior animação e regozijo. Entre os ratos vaidosos  houve quem se gabasse de ter assistido ao célebre congresso de "Ratópolis" e de ter rebatido o deitado por terra o maldoso projeto de conseguirem uma cascavel para matar o gato do  local. Foi muito defendido por alguns, mas venceu a sugestão de "sempre fugir correndo", considerado muito mais prático em acordo com os instintos d raça.  Houve também interessantes histórias  de proezas e aventuras maroteiras. Uma das ratazanas mais corpulenta e respeitável contou como tinha conseguido entrar num armazém de presuntos e carnes defumadas, onde tão bem passara uma boa parte do ano se fartando do bom e do melhor. Contou que ali criou duas numerosas ninhadas com todo o conforto desejável. Mas um dos ratos mais jovens da família contou que teve a perigosa e imprudente audácia de se agarrar num presunto que estava pendurado no teto e roer a corda; atitude que causou sua queda estrepitosamente sobre um grande pote, atraindo  com o ruído os donos do local, que armados de vassouras e varapaus acabaram com toda a sua ninhada, sem que ninguém tivesse podido salvar, a não ser a narradora,graças a um buraco de um cano onde se escondeu a tempo. Outro dos circundantes contou como, numa despensa, tinha encontrado um magnífico queijo de bola, dentro do qual tinha passado uma boa temporada se deliciando com aquela maravilha. Contou que comeu todo o interior do queijo, deixando apenas a parte externa para enganar os donos. Outros participantes da festa também contaram suas histórias enquanto se serviam das sobremesas com os últimos vinhos. 

            Terminada a farta refeição, reanimou-se  a dança, prolongando-se a festa até que a luz ocultou o seu prateado disco por de traz dos longínquos maciços de arvoredo. Imediatamente ouviu-se o clamoroso canto do galo, anunciando a vinda da aurora, que silenciosa avançou pelo Oriente. Os gnomos sumiram-se na entranhas da terra, e desapareceram coo por encanto as fadas, enquanto os ratos se metiam nos seus esconderijos. 

            E porque é que desapareceram as fadas e os gnomos quando cantou o galo? As fadas tem medo dos galos? 

Não se trata disso, é que os gnomos e as fadas retiram-se sempre quando chega a luz do dia.